A Medicina é uma ciência, o seu método pode ser estudado e replicado. A sociedade assim o exige e espera, e bons técnicos salvam muitas vidas fintando a morte com eficácia e eficiência. O médico aparece hoje, aos olhos da população em geral, não já como um ser humano compassivo e bondoso que recolhe as queixas do doente, mas como um técnico que realiza atos profissionais cientificamente apoiados.
Mas o bom médico é um cientista com um cunho artístico que observa, escuta e toca, e desta forma produz arte perante a vida, mas também perante a morte! Cura, mas também ampara e ajuda! Arte pura! Arte na entrega aos outros e na busca do equilíbrio em si mesmo perante os sentimentos e as emoções, considerando os valores estéticos da beleza, da simetria e da harmonia. A beneficência secular da boa tradição hipocrática jamais deverá ser atropelada pelo rigor científico. E eis que também o médico produz arte: prosa e poesia, pintura e escultura, música e fotografia, cinema e teatro, dança e arquitetura. Felizmente, um número saudável de médicos dedica-se também à arte e são astutos, espontâneos e autodidatas. De facto, o médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe (Abel Salazar). O médico tecnicista já não é, ele próprio, um instrumento do processo terapêutico, mas apenas um intermediário entre a ciência e a intervenção médica ou cirúrgica. Contudo, a partir do Juramento de Hipócrates, a Medicina ensinada como uma profissão, jamais deixará de ser uma arte. O médico artista transcende a doença, e com empatia personaliza e enfatiza, e desta forma acrescenta à ciência, movimento, imagem e perfeição. Dois caminhos aparentemente antagónicos cruzam-se numa simbiose proporcional em bem-estar físico e beleza capturada pelos sentidos. A arte receosa adorna a imagem de uma ciência imprudente e audaz num palco ideal de humanismo universal. A legis artis pressupõe uma dimensão bioética e o que separa a ousadia da estupidez é uma linha muito ténue, atravessada por incertezas e riscos, por imprevistos e complicações e por decisões tecnicamente complexas, mas humanamente ainda mais difíceis. Só com arte e afetos, a ciência suportará tamanho fardo! Mas precisará o médico de talento? E deve prestar mais atenção no objeto de arte ou em si mesmo? E como estimar o seu valor artístico? Será a cura feita pelo médico ou pela ciência? Será a imagem feita pela máquina ou pelo fotógrafo? Pouco interessa! A felicidade não é algo que se encontra quando se chega. É algo que se leva quando se vai. É um caminho de recompensa construído pelo alento de homens e mulheres de exceção e de inspiração. O médico observa. A imagem está lá. O artista também a escuta e desse diálogo que tem dentro de si resulta, também, num observador e protagonista de arte e amor. A ciência não está equipada para proporcionar os poderes da imaginação! A arte sim! Empatia, simpatia e reciprocidade. Na atividade médica, à dimensão de curar tem de estar justaposta a dimensão do cuidar. Cuidar é assumir o outro, fragilizado, em corpo e em espírito, sabendo que a pessoa é unidade substancial e que a pessoa doente é unidade ameaçada de rotura (Daniel Serrão). O cientista pode acrescentar à perfeição técnica a virtude pessoal que se manifesta na dedicação beneficente, na compaixão, no carinho, na equidade, na prudência, na honestidade intelectual e no juízo da sabedoria prática. A arte de ser médico permitirá o reconhecimento de uma obra autêntica e de uma trajetória distinta na sua beleza e sentimento de verdade. “Pois, onde há amor pelos homens, também há amor pelas artes”. Prof Doutor Miguel Guerra, in: http://www.newsfarma.pt//artigos/6716-o-médico-e-a-arte-ciência,-ética,-afetos-e-estética.html
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